Minotauro: o mito e suas múltiplas leituras e simbolismos

                                                                                   Minotauro: o mito e suas múltiplas leituras e simbolismos  

Uma criatura monstruosa, com a cabeça e a cauda de touro e o corpo de homem, o Minotauro era o flagelo da  população de Creta. Vivia encerrado no Labirinto e seu apetite só era saciado com vítimas humanas. Até que um dia,  o príncipe ateniense Teseu decidiu matá-lo pondo fim ao trágico tributo imposto à cidade de Atenas de enviar anualmente sete moças e sete rapazes para serem devorados pelo Minotauro. O mito do Minotauro atravessou os tempos aparecendo nos poemas clássicos, nos mosaicos greco-romanos e na arte da Renascença. Ele é mostrado no centro de muitas representações do Labirinto. Foi mencionado por Dante Alighieri, em A Divina Comédia, no canto 12, quando Dante e seu guia Virgílio buscam caminho entre pedregulhos na encosta para entrar no sétimo círculo do inferno. Está nas pinturas de Salvador Dali, René Magritte, Max Ernst, Diego Rivera e Pablo Picasso que lhe dedicou uma série de gravuras. Mais recentemente, o Minotauro foi tema do videogame de realidade virtual Theseus (2017). Em Assassin’s Creed: Odyssey (2018) o personagem principal (Alexios ou Kassandra) visita as ruínas do Palácio de Knossos para matar o Minotauro no Labirinto das Almas Perdidas. No final do artigo, temas para trabalhar em sala de aula e download do mito. O mito do Minotauro Conta-se que Minos desejando ser rei de Creta rogou a Poseidon, o deus dos mares, que enviasse um sinal divino que mostrasse a todos que ele era o escolhido pelos deuses. Poseidon atendeu-o com uma condição: faria surgir um belo animal e Minos deveria sacrificá-lo imediatamente ao deus. Minos concordou, e viu sair das águas um magnífico touro branco de chifres dourados.  O deus cumpriu sua parte no trato porém Minos diante de um animal tão esplêndido, não cumpriu a promessa. Guardou o touro para si e sacrificou outro animal para o deus. Poseidon ficou furioso em ter sido enganado e, por vingança, inspirou Pasífae a jovem esposa do rei, a se apaixonar loucamente pelo touro branco de chifres dourados. Dos amores entre Pasífae e o touro* nasceu um ser monstruoso, meio humano meio animal, o Minotauro.* Horrorizado e cheio de vergonha, Minos encomendou ao artista ateniense Dédalo a construção de um imenso palácio, o Labirinto, tão cheio de corredores que se entrecruzavam e de aposentos dispostos de tal maneira que quem nele entrasse não conseguisse sair mais. O Minotauro foi deixado no Labirinto. O apetite voraz do monstro só era aplacado com vítimas humanas jovens. [*Esta parte do mito foi suprimida no texto de download por ser inadequada para alunos pequenos. A supressão não compromete a posterior interpretação e análise do mito.] O tema do labirinto aparece em numerosas obras greco-romanas como esse mosaico de 300-400 d.C. No centro do labirinto, Teseu mata o Minotauro. Kunsthistorisches Museum, Viena, Áustria. Tempos depois, aconteceu de um filho de Minos ter sido morto em Atenas, cidade tributária de Creta. Furioso, o rei exigiu que a cidade enviasse sete rapazes e sete moças, a cada sete anos (ou nove ou anualmente, as versões divergem) para serem devorados pelo Minotauro. Quando o terceiro sacrifício se aproximou,  Teseu ofereceu-se para matar o monstro. Egeu, seu pai, mandou preparar o navio com velas pretas, em sinal de luto. Incluiu também um jogo de velas brancas recomendando a Tese que, se voltasse vitorioso, mandasse hastear as velas brancas. Chegando a Creta,  Teseu conheceu a princesa Ariadne, filha de Minos que se apaixonou pelo jovem ateniense. Decidida a ajudá-lo a sair do Labirinto, ela lhe deu um novelo de lã que Teseu deveria amarrar na entrada e ir desenrolando à medida que caminhasse para o interior da complicada construção. Teseu e Ariadne na entrada do Labirinto, Richard Westall, 1810, North Lincolnshire Museums Ariadne impôs uma condição a Teseu: que ele a desposasse e a levasse consigo para Atenas. 

 

7017 – Mitologia – A Lenda do Minotauro | ☻Mega Arquivo

Teseu matou o Minotauro com a espada de Egeu e, guiado pelo novelo de lã, levou os outros jovens para fora do labirinto. Embarcaram de volta à Atenas levando Ariadne com eles. No caminho, o navio parou em Naxos. Ariadne desceu e adormeceu na praia.  Quando acordou estava só. Teseu a havia abandonado. Aproximando-se de Atenas, Teseu esqueceu de trocar as velas pretas pelas brancas. Egeu, em um ponto alto, avistou de longe o navio com a vela preta se aproximando. Presumindo que o filho estivesse morto, suicidou-se atirando-se ao mar que, desde então, recebeu o seu nome. No final do artigo, temas para trabalhar em sala de aula e download do mito. A civilização minoica O mito do Minotauro teria surgido à época em que Creta era a principal potência política e cultural do mar Egeu. Ali desenvolveu-se, a partir de 2600 a.C., a civilização minoica – nome derivado de Minos, o mítico rei de Creta. Entre 2000 e 1450 a.C., a civilização minoica viveu seu período de maior prosperidade, dominando cidades gregas continentais de quem cobrava tributos.

TESEU E O MINOTAURO - Mitologia Greco-Romana - Leitura do mito em forma de  conto [Leitura ASMR] - YouTube

 

Objetos produzidos por artesãos cretenses foram encontrados no Egito, em Chipre, na costa fenícia (Biblos e Ugarit), na Grécia, nas costas da Ásia Menor (atual Turquia). Foi a primeira civilização do Mediterrâneo a se lançar às atividades marítimas (os fenícios foram seus sucessores). Comercializavam vinhos, azeite e cerâmica produzidos na ilha e objetos de metais. Foram pioneiros na metalurgia do bronze e produziam joias e armas de luxo incrustadas com pérolas e pedras raras que eram vendidas no Mediterrâneo Oriental. Possuíam um sistema de pesos e medidas feitos por lingotes e discos de cobre. Os cretenses construíram estradas pavimentadas que cruzavam a ilha de ponta a ponta. Suas moradias possuíam canalização para distribuição de água e coleta de esgoto. Damas em azul, afresco restaurado, Cnossos, Creta. Na sociedade cretense, a mulher ocupava uma posição de relevo e gozava de uma liberdade desconhecida em outras culturas da época. As pinturas mostram mulheres fora de casa, em praça pública, no teatro, na arena de acrobacias. As divindades mais representadas são femininas, cabendo às sacerdotisas o principal papel nas cerimônias. Segundo Arthur Evans, tratava-se de uma sociedade matriarcal – hipótese aceita por outros especialistas. O fim da civilização minoica foi violento. Entre os anos 1450 e 1400 a.C., a ilha sofreu a invasão dos dorios, povo guerreiro da Grécia continental. Eles destruíram os palácios e submeteram a população minoica, impondo-se como seus governantes. Pouco depois, ocorreu uma violenta erupção vulcânica na ilha de Tera (atual Santorini), próxima a Creta. O terremoto e o maremoto que se seguiram atingiram Creta com tamanha força que as construções foram ao chão e seus barcos e o próprio porto foram para o fundo do mar. A arqueologia à procura do Minotauro A escrita minoica permanece indecifrada. As fontes escritas para se conhecer a civilização minoica são indiretas, sendo a maioria delas relatos deixados pelos antigos gregos, entre os quais, o mito do Minotauro. O nome de Minos ainda é um mistério. Desconhece-se se era o nome de um governante, de uma dinastia de Cnossos ou um termo minoico para designar rei. De qualquer forma, Minotauro significa “o touro de Minos”, uma alusão à dominação exercida pelo governante de Cnossos, para quem os povos dominados deviam pagar pesados tributos. Nesse sentido, a decisão de Teseu de eliminar o Minotauro é uma oposição à dominação exercida por Minos sobre os atenienses. Reconstituição artística do palácio de Cnossos segundo Arthur Evans que escavou o local entre 1900 e 1935. O palácio possuía cerca de 1300 salas conectadas com corredores de tamanhos variados e ocupava uma área de 24.000 m2. As escavações realizadas em Creta durante 30 anos por Arthur Evans (1851-1941) revelaram muitas evidências que remetem ao mito do Minotauro. O gigantesco Palácio de Cnossos, com seu intrincado desenho arquitetônico repleto de corredores e milhares de salas, sugere tratar-se de um labirinto do Minotauro. O símbolo sagrado minoico, um machado de dois gumes que decorava as colunas e nas paredes do palácio, era chamado de labyrs, palavra que identificava o palácio de Cnossos como o “palácio do labyrs” o que acabou por associá-lo a “labirinto”. Outra referência ao mito são as numerosas pinturas e esculturas de touros e touradas encontrada nas escavações. O touro era considerado um animal sagrado e a a tauromaquia (“jogo do touro”) representada nos afrescos, devia fazer parte de uma festividade religiosa. Neste jogo, uma espécie de tourada sem que o animal fosse morto, consistia em perigosas acrobacias feitas por homens e mulheres. Os participantes deviam agarrar-se nos chifres do touro, dar um impulso e saltar sobre as costas do animal, caindo de pé atrás dele. Afresco representando a tauromaquia, o jogo do touro, Cnossos, Creta Figura de touro, afresco em relevo, restaurado, palácio de Cnossos, Creta.  O mito e sua simbologia O labirinto é, essencialmente, um entrecruzamento de caminhos que constituem impasses, dificuldades que retardam a chegada do viajante ao centro que deseja atingir. Seu desenho era conhecido no Egito Antigo, estava representado no oráculo de Cumas, nos petroglifos de Nazca e nas lajes das catedrais góticas simbolizando o caminho percorrido pelo eleito, aquele que é digno de chegar ao centro, isto é, à revelação misteriosa. Uma vez atingido o centro, o eleito está consagrado e introduzido nos mistérios aos quais fica ligado pelo segredo. O labirinto é, também, o símbolo da autorreflexão: concentrar-se em si mesmo, não se deixar desviar por outras escolhas ou ideias (caminhos) para atingir o centro. O labirinto conduz o homem ao interior de si mesmo onde reside um tesouro: a essência de sua humanidade. Labirinto desenhado no piso da catedral de Chartres, França, séc. XIII (foto via Fashion Cloud). O fio de Ariadne, por sua vez, é o fio dourado que conduz Teseu para chegar ao seu destino e depois sair da escuridão e retornar à luz. Metáfora da sabedoria, da luz interior, da intuição, do autoconhecimento ou do amor (foi por amor que Ariadne ajudou Teseu), o simbolismo do fio de Ariadne inspirou poetas, escritores e filósofos em todas as épocas. Na filosofia, a linha de Ariadne é a denominação de um método de resolução de problemas que permite seguir vestígios e ordenar a pesquisar para atingir um ponto de vista final desejado. Quanto à Ariadne, trata-se de uma representação do mundo matriarcal. Segundo Arthur Evans, a civilização minoica era uma sociedade matriarcal cuja religião baseava-se exclusivamente na adoração de divindades femininas. A importância conferida à mulher na antiga Creta é atestada pelas numerosas imagens em que a mulher aparece exercendo funções religiosas, administrativas e políticas. Teseu, por sua vez, é um herói representante do mundo patriarcal e da “pólis”.

Mitologia: Teseu

 

Em sua mitologia, ele é dito como aquele que reuniu poderosos “genos” em uma só “pólis”, promulgou leis, fundou a Boulé e adotou o uso da moeda. Ele é o herói fundador da sociedade masculina e patriarcal grega que exclui a mulher da cidadania. Teseu e Ariadne representariam dois mundos inconciliáveis àquela altura. O abandono de Ariadne em Naxos seria, assim, a explicação mítica do fim da sociedade matriarcal. Na sequência do mito, Ariadne é encontrada por Dionísio que a faz sua mulher. Na celebração das núpcias, a deusa Afrodite ofereceu a Ariadne um maravilhoso diadema de ouro com brilhantes. Quando Ariadne morreu, o diadema se transformou na constelação Corona Borealis ou Coroa de Ariadne. Na Idade Média, astrólogos tentaram renomear a constelação como Coroa de Espinhos, sem sucesso. Ao longo do tempo, a triste história de Ariadne, reduziu-se ao tema da mulher “seduzida e abandonada”. Poetas e escritores (Corneille, Victor Hugo, Nikos Kazantazakis, Marguerite Yourcenar etc.), escultores, pintores e músicos (Monteverdi, Haendel e Richard Strauss) criaram obras inspiradas no mito de Ariadne, a mulher infeliz que amou, foi usada e depois deixada. Os escritores argentinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar  resignificam o mito em contos pertencentes ao gênero fantástico. Em “Los dos reyes y los dos laberintos” (na obra “El Apeph”, de 1949) Borges opõe duas ideias de labirinto: um construído pelo homem, de bronze, portas e escadas,  construído para impedir o homem de entrar; o outro labirinto, em oposição, é o deserto. A disputa de labirintos é travada entre dois reis. Em “La casa de Asterión”, Borges confere voz e identidade ao Minotauro. Na obra “Los Reyes” (1949), Julio Cortázar revisita o mito em um poema dramático pleno de significados como essa fala do Minotauro a Teseu: “Olha, só há um meio para matar os monstros: aceitá-los”. É instigante lançar o desafio aos nossos alunos e ver que leitura eles fazem do mito à luz das questões que atormentam o homem. É o que propomos a seguir.